sustentabilidade

Especialistas explicam como a concepção da obra pode amenizar o calorão em casa

Soluções simples, como ventilação cruzada, sombreamento e materiais adequados, ajudam no conforto térmico; confira as dicas

Luciana sente os efeitos do calor 
intenso todos os dias dentro de casa -  (crédito: Ana Carolina Alves/CB)
Luciana sente os efeitos do calor intenso todos os dias dentro de casa - (crédito: Ana Carolina Alves/CB)

As altas temperaturas registradas em Brasília têm feito moradores da capital buscarem soluções para lidar com o calor dentro de casa. Enquanto muitos recorrem ao ar-condicionado, arquitetos defendem que o segredo para enfrentar as ondas de calor começa muito antes da obra: está no projeto arquitetônico.

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Segundo a arquiteta Laura Penna, diretora-geral da Gustavo Penna Arquitetos Associados, as principais falhas que elevam a sensação térmica nos imóveis estão no desenho das construções. "O uso indiscriminado de grandes panos de vidro sem (películas de) proteção, sem beirais ou brises (aberturas), faz com que o sol aqueça o interior rapidamente. A ausência de elementos que filtrem a luz e a falta de ventilação cruzada completam o cenário", explica.

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A assistente administrativa Thais Rodrigues Cerqueira Vilarim, 30 anos, sente na pele os efeitos dessas escolhas. Moradora de Vicente Pires, ela conta que o calor dentro de casa começa a incomodar ainda no fim da manhã. "Por volta das 11h, começa a esquentar e fica assim até umas 15h ou 16h", relata. "A casa é grande, tem muitas portas e janelas, mas o vento não circula bem, e a telha usada na construção retém muito calor." Para amenizar, ela recorre a ventiladores, umidificadores e até joga água no quintal e na garagem. "Abro todas as portas e janelas, mas, mesmo assim, o vento não circula bem", conta.

Apesar das dificuldades, Thais busca alternativas. Na nova residência da família, atualmente em reforma, ela adotou medidas para melhorar o conforto térmico. "Subimos o telhado para deixar a casa mais fresquinha e, no quintal, que era todo fechado, fizemos algumas aberturas para ventilação", explica.

Penna destaca que o conforto térmico deve, realmente, começar no papel. "A escolha da implantação no terreno é decisiva. Orientação solar, direção dos ventos, topografia e grau de umidade do solo influenciam diretamente na temperatura dos ambientes. Uma boa ventilação cruzada, com aberturas em lados opostos, faz o ar circular e refresca os espaços. Já os brises controlam a entrada de luz e calor, principalmente nas fachadas voltadas para o poente", afirma.

Essas soluções fazem parte das chamadas técnicas bioclimáticas, que aproveitam recursos naturais — como sol, vento e vegetação — para reduzir a necessidade de equipamentos artificiais. "Uma parede com boa inércia térmica, por exemplo, retém calor ou frio por mais tempo, atrasando a transferência para o interior da casa. Telhas cerâmicas ou sanduíche com proteção térmica são outras soluções simples e eficazes", detalha a arquiteta.

Para amenizar

Moradora de Planaltina, a dona de casa Luciana Bertoldo, 47, sente os efeitos do calor intenso todos os dias, principalmente na época da seca. "É muito quente. As telhas são de amianto, e isso deixa a sensação térmica muito alta", explica. Apesar de já ter pensado em trocá-las, o custo da reforma é um obstáculo. "Ficaria muito caro para mudar, por isso usamos o ventilador para tentar amenizar o calor", afirma. 

A estudante Mariana Silva de Oliveira, 18, também busca alternativas. Moradora da Ponte Alta Norte, ela conta que a casa onde vive com a família esquenta bastante no início da tarde. "Tem muito vidro e teto de gesso, acho que isso deixa mais quente. O sol bate direto nas portas e janelas. A gente tenta amenizar mantendo a casa ventilada e jogando água no chão, com balde ou mangueira, pra refrescar um pouco", relata.

Para quem já vive em construções que não priorizaram o clima local, ainda há saídas, garante a arquiteta Milena Canabrava, especialista em arquitetura e urbanismo sustentável. "Entre as medidas simples, estão instalar películas de alto desempenho nos vidros, investir em toldos ou pérgolas e, sempre que possível, abrir passagens para ventilação cruzada", recomenda.

Além disso, a natureza pode ser uma grande aliada na busca por conforto térmico. "As árvores são sempre bem-vindas. Elas refrescam, aumentam a umidade do ar e melhoram até o bem-estar psicológico das pessoas. Vasos com plantas grandes e densas, que atuam como barreiras térmicas naturais, também ajudam bastante", acrescenta Milena.

Futuro sustentável

As discussões sobre conforto térmico e sustentabilidade na arquitetura ganham ainda mais relevância diante das novas políticas públicas voltadas à eficiência energética. A resolução nº 4 do Comitê Gestor de Índices e Níveis de Eficiência Energética (CGIEE), publicada em 30 de setembro, promete transformar o setor da construção civil e de climatização no país ao estabelecer critérios obrigatórios de eficiência energética para novas edificações.

Segundo o CEO da Vulp Air, Mateus Orsini, a medida define índices mínimos de desempenho energético com implementação gradual, começando em 2027 para edifícios públicos federais e se estendendo até 2040 para outras categorias. "O desempenho será medido pela Etiqueta Nacional de Conservação de Energia (ENCE), com exigência mínima de nível C para a maioria das edificações e níveis mais rigorosos para segmentos estratégicos", explica.

A ENCE é um selo emitido pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem, do Inmetro, que classifica edificações, eletrodomésticos e equipamentos de acordo com sua eficiência energética — em uma escala que vai de A (mais eficiente) a E (menos eficiente). No caso das construções, a etiqueta avalia aspectos como ventilação natural, isolamento térmico, consumo de energia e aproveitamento da luz solar. Assim, a nova regulamentação deve estimular o uso de técnicas bioclimáticas e materiais mais sustentáveis, reduzindo o consumo energético e o impacto ambiental das edificações.

Para Orsini, a regulamentação representa uma mudança de paradigma. "A eficiência energética deixa de ser um diferencial e passa a ser uma exigência. O setor caminha para um futuro em que conforto, sustentabilidade e desempenho estarão totalmente integrados", conclui.

 

  • Luciana sente os efeitos do calor intenso todos os dias dentro de casa
    Luciana sente os efeitos do calor intenso todos os dias dentro de casa Foto: Ana Carolina Alves/CB
  • Luciana sente 
os efeitos dos 
dias quentes 
todos os dias 
dentro de casa
    Luciana sente os efeitos dos dias quentes todos os dias dentro de casa Foto: Ana Carolina Alves/CB
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os efeitos dos dias quentes
    De Planaltina, Luciana diz que sente os efeitos dos dias quentes Foto: Ana Carolina Alves/CB
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postado em 31/10/2025 05:15
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